Quando se fecha uma porta, é preciso abrir outras — com a chave certa: estratégia integrada, visão sistêmica e coragem para reinterpretar mercados em constante mutação.
Rodrigo Solano (*)
O mundo em rearranjo — e o Brasil, também!
O tarifaço promovido por Donald Trump contra produtos brasileiros pode parecer um golpe, mas talvez seja — paradoxalmente — um convite. Um chamado à ação. A justificativa oficial pode ser econômica, mas o recado é político e simbólico: em tempos de diplomacia digital, quem não tem plano será plano de alguém.
Historicamente, o comércio exterior brasileiro foi moldado por antigas metrópoles que ajudaram a construir nosso imaginário global. Exportamos café, carne, minério… e a ideia de país tropical. Mas isso também nos deixou vulneráveis: dependência de poucos mercados, pauta concentrada e foco excessivo em preço — combinação que ameaça a competitividade em tempos instáveis.
Negociar sempre. Depender, jamais.
Os Estados Unidos são parceiros respeitáveis e historicamente relevantes. Nos ajudaram a prototipar nossa marca nacional em Hollywood, com Carmen Miranda e Zé Carioca. Palavras como “açaí” e “caipirinha” foram amplificadas globalmente. A integração entre cultura, academia e indústria fortaleceu a marca “Made in U.S.A.”.
Mas se o Tio Sam atual sinaliza retaliação, o setor privado brasileiro precisa assumir o protagonismo: orientar o governo, diversificar rotas, construir uma política de desenvolvimento com visão global que sobreviva a ciclos de poder.
Enquanto isso, há um mundo aberto ao Brasil
Em 2024, os EUA foram o segundo maior destino das exportações brasileiras, com US$ 40 bilhões — pouco mais de 1% das importações americanas. O Brasil mantém déficit comercial com os EUA há mais de uma década.
A China, líder absoluta, comprou US$ 94,3 bilhões do Brasil, mais que o dobro dos EUA — gerando superávit, embora ainda concentrado em commodities. A Índia, por sua vez, importa mais de US$ 700 bilhões globalmente, mas menos de 1% vem do Brasil.
Esses números revelam um caminho: há espaço — e urgência — para o Brasil ocupar com mais inteligência e identidade. Inovação no marketing: cultura vende, língua conecta, marca fideliza
Comprar é mais que transacionar — é reconhecer, se identificar, confiar. E o Brasil tem ativos que o mundo deseja: diversidade, criatividade, improviso inteligente, alegria resiliente.
O mercado árabe, por exemplo, reúne 22 países e deve movimentar em breve US$ 1 trilhão em importações. Produtos brasileiros são bem recebidos e já fazem parte do cotidiano — da literatura de Jorge Amado às lojas da Rua 25 de Março.
O livro de Rubens Hannun mostra como mercados culturais diluem riscos e espalham oportunidades: se um país impõe barreiras, o investimento é redistribuído dentro do bloco. E há outros grupos culturais ainda pouco
explorados — mercados suaílis na África Oriental, países de línguas túrquicas na Ásia Central, além dos blocos lusófonos e hispânicos com absorção natural da marca Brasil.
Do pretérito imperfeito ao futuro possível
Não basta reagir. É hora de agir com visão de longo prazo, estratégia transversal e diplomacia de marca. O setor privado deve participar ativamente de políticas blindadas contra personalismos e assumir seu papel global —porque quem não lidera a narrativa, vira nota de rodapé.
O tarifaço gerou impacto, mas também abriu espaço. Consumidores e governos começam a repensar sua relação com o “Made in USA”. O Brasil, se souber contar sua história com propósito, pode não apenas preencher esse vácuo — mas elevar o padrão.
Já temos ativos. Falta narrá-los com oferta de valor legítimo a nossos parceiros.
Enquanto o PIX é criticado por uns, o sistema brasileiro de open banking é elogiado por outros — inclusive nos Estados Unidos, onde o American Banker destacou nossa governança como exemplo de inclusão e inovação.
O reconhecimento de ativos brasileiros vai muito além do futebol e do carnaval. Basta uma busca por “Brazilian” em marketplaces globais para perceber: o mundo já consome o Brasil “made em diversos mercados”. Isso significa que empresas de diversas nacionalidades enxergam ativos simbólicos Brasileiros como competitivos — os brasileiros podem adotar essa estratégia de reputação.
A marca Brasil, quando posicionada adequadamente e com abertura para relações empáticas internacionais, pode ser percebida como uma referência, em vez de apenas uma alternativa.
(*) Rodrigo Solano é especialista em estratégias de internacionalização, com foco em desenvolvimento de marcas brasileiras e diplomacia comercial. Cofundador da Think Global, atua na construção de projetos que conectam empresas brasileiras a mercados multiculturais. LinkedIn | info@thinkglobal.com.br
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